Sunday, October 17, 2010

Transmissão e transgressão nos processos de formação e preparação do meu corpo - para "MARIA AUGUSTA BÁRBARA"

A investigação desse trabalho iniciou-se em 2008, a partir do desejo de criar um solo em dança contemporânea configurado como uma instalação, aportado às minhas experiências com a técnica do Ballet Clássico.Para o referencial teórico, iniciei meu estudo com a leitura do livro “Vigiar e Punir” de Michel Foucault , mais especificamente o capítulo “Corpos Dóceis”, onde o autor trata de questões relacionadas a disciplina, alienação e adestramento. Durante a leitura refleti como as relações sociais (escolas, família, ballet clássico, relações entre sujeitos, etc.) de alguma forma, direta ou indiretamente, contribuíram para a formação do meu corpo.

A partir do que Foucault discute no seu livro sobre a repetição como mecanismo de aprimoramento das ações que tornam o corpo “funcional”. Questiono, quais seriam esses lugares do corpo funcional? Como definir a funcionalidade de uma pessoa? Como essa “funcionalidade” acontece numa sociedade carregada de trocas constantes de informações, em que todos os corpos negociam a sua permanência de acordo com os distintos ambientes? Como pensar adaptabilidade e funcionalidade em um mesmo contexto?

“Como alcançar a unidade na (apesar da?) diferença e como preservar a diferença na (apesar da?) unidade.” BAUMAN. 2004

Voltei a fazer aulas de ballet, focalizei nas estratégias que o meu corpo encontrava para, por exemplo, estar no balance. O que era preciso eu acionar? Quais eram as indicações do professor e quais eram as minhas? Como meu corpo respondia a isso? Como pensar no treinamento técnico sem apenas transmitir conhecimento? A respiração foi fundamental para eu me concentrar e compreender o tempo, os encaixes, o movimento do meu corpo.

Como preparar um estado? Preparar um estado?
Qual função a disciplina exerce no meu preparo corporal?


Criei uma seqüência de ballet na diagonal com saltos e giros e experimentei repeti-la diversas vezes ininterruptamente. Após alguns minutos o meu corpo já respondia de maneira diferente, percebi que minha respiração estava mais ofegante e que a qualidade corporal já não era mais a mesma no que se referia a equilibrio, verticalidade e leveza. Compreendi que a respiração mais acelerada era uma conseqüência das minhas ações antes, ou seja, eu havia preparado (consciente e inconscientemente) meu corpo para que ele chegasse nessa respiração exaurida, e que muito provavelmente essa respiração estaria me preparando para um outro estado corporal que eu não poderia prever totalmente. A repetição se tornou elemento essencial para chegar no “ lugar inesperado”.

Quais as possíveis estratégias que o corpo que dança é capaz de criar para agenciar conscientemente um estado corporal que amplie e renove o entendimento de uma obra inacabada?

Hoje Entendo que é preciso um tempo mais dilatado para perceber as mínimas mudanças do meu corpo no espaço-tempo. Experimento diferentes qualidades corporais como a velocidade (rápida, lenta), densidade, leveza e força. Partindo da idéia de que “pouco pode ser muito”, seleciono algumas ações da técnica do ballet ( suspiro, posições de braço, posições de pernas) e trabalho com elas alternando a qualidade de movimento, estudando possibilidades de mudanças bruscas de velocidade, intensidade...

“..a intimidade e a distância criam uma situação privilegiada. Ambas são nescessárias.”
Juan Goytisolo


foto: Casa da Ópera- Ouro preto
por: Anderson Zeg

Experimento os caminhos de apropriação de alguns elementos cênicos (coleira, focinheira, sapatilha de ponta, corpete feito de fita isolante), no intuito de ampliar as possibilidades de ressignificação desses objetos. Essa experimentação acontece também em situações cotidianas (escovando os dentes, correndo, comendo,descendo e subindo escadas), utilizo o recurso da fotografia que além de propor mais um meio de comunicação do trabalho, é muito útil para analisar o que a imagem pode representar quanto signos. Como se configura esse corpo não cotidiano num contexto cotidiano? Um espaço reconfigurado. Quais as estratégias que esse corpo encontrou para adaptar-se? Funcional? O quanto a imagem pode reforçar o meu discurso na dança? De que forma utiliza-la?

A oficina do LUME –“Corpo como fronteiras”, foi muito importante para compreender a exaustão como um meio e não como um fim. O corpo presente e consciente do caminho para a transgressão de fronteiras através da exaustão. Permitir que o novo chegue e a partir disso articular o trânsito de informações que não tenho como prever no momento da instalação, como meu corpo irá se agenciar com a mudança, nem mesmo uma preparação corporal anterior pode prever.

Maria Augusta Bárbara hoje é configurada numa instalação com duração mínima de 1 hora. Não existe uma fórmula fixa para o pré-aquecimento, tudo depende do meu humor e disposição corporal. O mais importante é estar concentrada, respirar, olhar, tocar, ouvir, ativar os sentidos. Durante a instalação meu corpo está sendo constantemente preparado para uma nova ação, um novo momento, cada apresentação é muito singular e acaba me preparando para a apresentação seguinte.

2 comments:

  1. Que lindo Maboa! Gostei muito do texto e fico com a questão:
    Quais as possíveis estratégias que o corpo que dança é capaz de criar para agenciar conscientemente um estado corporal que amplie e renove o entendimento de uma obra inacabada?

    Bjs!

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  2. Que legal, Mabtcha! Gosto muito disso. A exaustão me favorece também, é surpreendente perceber o corpo deixando de responder coscientemente. Obedecendo ao que não é tanto razão. Como se as células entrassem em estado de torpor, embriaguez, alucinadas de doer, de trabalhar respiram fora do senso. Quando fará "Maria Augusta Bárbara" para nós? Quero muito ver.

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