Friday, October 29, 2010

Thursday, October 28, 2010

Carta à Maria Augusta


Salvador, 18 de Outubro de 2010.

Carta à Maria Augusta,

No dia 25 de outubro tive a oportunidade de conhecê-la melhor.
Em Mab sempre pude observar um brilho nos olhos característico, próprio. Mas, em estados alterados de consciência, as regras da percepção comum são rompidas, já diziam os surrealistas, e acredito que por isso que Maria Augusta despertou em mim um verdadeiro estado de vontade, e me levou até a fronteira, quase insipiente, entre onde começa a vida e a morte.
Maria Augusta nos convida a passar por um sentimento de permanência no tempo e no espaço, seu corpo é constantemente suportado por algo invisível. “Situa-se entre a espontaneidade e o controle absoluto, entre um corpo natural ou espontâneo e um corpo-marionete.” (PAVIS, 2001, p. 15).
Um “corpo dócil” preparado para ser não somente obediente, como também realizar tudo o que o sistema exigir?
A presença sutil do ballet clássico na obra dinamiza as energias potenciais e leva a intérprete e o espectador sempre além. As forças contrárias, os impulsos, as intenções musculares, ajudam a articular a presença cênica de forma orgânica. A repetição e o enclausuramento dos micromovimentos, a intenção, o élan.. a ação física propriamente dita.. o impulso vital..
Depois de alguns minutos o resultado do trabalho físico aparece refletido nas ações realizadas em cena, o suor, o tônus.. algo parece sempre estar sendo arremessado de dentro pra fora, e vai criando os nós (interseções) que apresentam momentos/movimentos de tensão, e na rede tecida pela justaposição de formas é possível vislumbrar o princípio ideogramático que relaciona essas idéias/imagens.
Essa tensão que surge em um corpo amarrado lá no início, percorre toda a obra, como o trilho de um trem, um constante estado de turbulência onde esse corpo central é força, segmentação, enraizamento, energia; capaz de materializar diferentes qualidades de vibração na busca de uma expressividade pessoal.
A imagem que me submeteu é que Maria Augusta fora lançada em um buraco negro, uma região do espaço-tempo da qual não é possível escapar para o intuito.
Na obra não há nada para se contemplar, mas para se experienciar junto.


Inaê Moreira.

Thursday, October 21, 2010

"Maria Augusta Bárbara" em Ouro Preto

Novos ares sempre renovam a criação.
Foi um prazer imenso poder participar do ENEARTE mais uma vez, agora compartilhando "Maria Augusta Bárbara" com os colegas e parceiros artístas de todo o Brasil.
Não tenho palavras que descrevam a minha enorme satisfação!!!As mudanças de local, horário, etc, fizeram parte das adaptações, muito boas por sinal. Aconteceram incrivelmente da melhor maneira possivel e a forma como o trabalho foi concebido me deixou bastante satisfeita.
A instalação durou 1 hora e aconteceu no teatro Casa da Opera (teatro construido em 1770). Emoçãooo e friozinho na barriga...
Me encantei com o espaço, um teatro pequeno, plateia de 3 andares, à moda antiga, aconchegante, e tão gigante na sua história. Não tive dúvidas de que era ali que eu queria apresentar, mas a pergunta era, onde?como? Analisei o espaço, ambiente por ambiente, fui eliminando aos poucos os que não casavam com a idéia do trabalho, quando percebi eu estava justamente no melhor lugar para realizar a instalação, o ultimo lugar que eu pensaria...O palco. O público transitaria nas laterais da platéia (1°, 2°, e 3° andar) e nas laterais do palco (coxia),  na platéia do meio, que fica de frente pro palco não teria transito de pessoas.



Teatro Municipal Casa da Ópera
Foto do site feriasbrasil.com.br



fotografia: Anderson Zeg

Iniciei a instalação procurando concentrar na minha respiração. Sabia que naquele momento era fundamental eu ter calma, pensar por onde e como começar, trabalhar a minha ansiedade, afinal de contas eu teria uma hora de investigação corporal em cena para ins,pirações. Era importante naquele momento encontrar os  estímulos que daria ao meu corpo , no espaço, no tempo e diante todas as limitações, a segurança de saber exatamente como fazer, e para isso eu precisava respirar, ter calma para perceber o melhor caminho.


fotografia: Anderson Zeg


Gostaria de agradecer a todos que contribuiram para que "Maria Augusta Bárbara" acontecesse em Ouro Preto!!!! Muchas Gracias!!! Espero voltar em breve...





Sunday, October 17, 2010

Transmissão e transgressão nos processos de formação e preparação do meu corpo - para "MARIA AUGUSTA BÁRBARA"

A investigação desse trabalho iniciou-se em 2008, a partir do desejo de criar um solo em dança contemporânea configurado como uma instalação, aportado às minhas experiências com a técnica do Ballet Clássico.Para o referencial teórico, iniciei meu estudo com a leitura do livro “Vigiar e Punir” de Michel Foucault , mais especificamente o capítulo “Corpos Dóceis”, onde o autor trata de questões relacionadas a disciplina, alienação e adestramento. Durante a leitura refleti como as relações sociais (escolas, família, ballet clássico, relações entre sujeitos, etc.) de alguma forma, direta ou indiretamente, contribuíram para a formação do meu corpo.

A partir do que Foucault discute no seu livro sobre a repetição como mecanismo de aprimoramento das ações que tornam o corpo “funcional”. Questiono, quais seriam esses lugares do corpo funcional? Como definir a funcionalidade de uma pessoa? Como essa “funcionalidade” acontece numa sociedade carregada de trocas constantes de informações, em que todos os corpos negociam a sua permanência de acordo com os distintos ambientes? Como pensar adaptabilidade e funcionalidade em um mesmo contexto?

“Como alcançar a unidade na (apesar da?) diferença e como preservar a diferença na (apesar da?) unidade.” BAUMAN. 2004

Voltei a fazer aulas de ballet, focalizei nas estratégias que o meu corpo encontrava para, por exemplo, estar no balance. O que era preciso eu acionar? Quais eram as indicações do professor e quais eram as minhas? Como meu corpo respondia a isso? Como pensar no treinamento técnico sem apenas transmitir conhecimento? A respiração foi fundamental para eu me concentrar e compreender o tempo, os encaixes, o movimento do meu corpo.

Como preparar um estado? Preparar um estado?
Qual função a disciplina exerce no meu preparo corporal?


Criei uma seqüência de ballet na diagonal com saltos e giros e experimentei repeti-la diversas vezes ininterruptamente. Após alguns minutos o meu corpo já respondia de maneira diferente, percebi que minha respiração estava mais ofegante e que a qualidade corporal já não era mais a mesma no que se referia a equilibrio, verticalidade e leveza. Compreendi que a respiração mais acelerada era uma conseqüência das minhas ações antes, ou seja, eu havia preparado (consciente e inconscientemente) meu corpo para que ele chegasse nessa respiração exaurida, e que muito provavelmente essa respiração estaria me preparando para um outro estado corporal que eu não poderia prever totalmente. A repetição se tornou elemento essencial para chegar no “ lugar inesperado”.

Quais as possíveis estratégias que o corpo que dança é capaz de criar para agenciar conscientemente um estado corporal que amplie e renove o entendimento de uma obra inacabada?

Hoje Entendo que é preciso um tempo mais dilatado para perceber as mínimas mudanças do meu corpo no espaço-tempo. Experimento diferentes qualidades corporais como a velocidade (rápida, lenta), densidade, leveza e força. Partindo da idéia de que “pouco pode ser muito”, seleciono algumas ações da técnica do ballet ( suspiro, posições de braço, posições de pernas) e trabalho com elas alternando a qualidade de movimento, estudando possibilidades de mudanças bruscas de velocidade, intensidade...

“..a intimidade e a distância criam uma situação privilegiada. Ambas são nescessárias.”
Juan Goytisolo


foto: Casa da Ópera- Ouro preto
por: Anderson Zeg

Experimento os caminhos de apropriação de alguns elementos cênicos (coleira, focinheira, sapatilha de ponta, corpete feito de fita isolante), no intuito de ampliar as possibilidades de ressignificação desses objetos. Essa experimentação acontece também em situações cotidianas (escovando os dentes, correndo, comendo,descendo e subindo escadas), utilizo o recurso da fotografia que além de propor mais um meio de comunicação do trabalho, é muito útil para analisar o que a imagem pode representar quanto signos. Como se configura esse corpo não cotidiano num contexto cotidiano? Um espaço reconfigurado. Quais as estratégias que esse corpo encontrou para adaptar-se? Funcional? O quanto a imagem pode reforçar o meu discurso na dança? De que forma utiliza-la?

A oficina do LUME –“Corpo como fronteiras”, foi muito importante para compreender a exaustão como um meio e não como um fim. O corpo presente e consciente do caminho para a transgressão de fronteiras através da exaustão. Permitir que o novo chegue e a partir disso articular o trânsito de informações que não tenho como prever no momento da instalação, como meu corpo irá se agenciar com a mudança, nem mesmo uma preparação corporal anterior pode prever.

Maria Augusta Bárbara hoje é configurada numa instalação com duração mínima de 1 hora. Não existe uma fórmula fixa para o pré-aquecimento, tudo depende do meu humor e disposição corporal. O mais importante é estar concentrada, respirar, olhar, tocar, ouvir, ativar os sentidos. Durante a instalação meu corpo está sendo constantemente preparado para uma nova ação, um novo momento, cada apresentação é muito singular e acaba me preparando para a apresentação seguinte.